O que vale mais em tempos de paz? A dignidade das pessoas ou o interesse público?
Homens e mulheres diante da Administração Pública são pessoas humanas ou coisas inferiores?
Onde ficam os servidores públicos diante do conflito entre a dignidade da pessoa humana e a supremacia do interesse publico? São pessoas ou coisas?
A resposta mais comum a essas perguntas tem sido de que o interesse público deve prevalecer sobre os interesses individuais sob todas as circunstâncias. O coletivo é mais importante que o privado.
E quando se fala de servidores públicos a resposta mais comum que se ouve é a seguinte: “já entraram sabendo que era assim e tinham escolha de entrar ou não”.
Interesse público ou supremacia do interesse público – Também chamado de supremacia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral, sendo colocado como um dos princípios de observância obrigatória pela Administração Pública.
O princípio da dignidade da pessoa humana é um valor moral e espiritual inerente à pessoa, ou seja, todo ser humano é dotado desse preceito, e tal constitui o principio máximo do estado democrático de direito, respaldado nos preâmbulos e no artigos 1ºs da Constituição Federal Brasileira e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Apesar de tão belo e importante princípio, a dignidade da pessoa humana tem sido completamente esquecida pela administração pública tendo em vista a necessidade única de atender ao seu “supremo interesse”.
Por essa razão, não se leva em consideração qualquer fator social, cultural, psicológico ou até físico nos atos da administração pública.
Afinal, alguém já viu psicólogos e assistentes sociais nas escolas públicas para fazer o acompanhamento das famílias desagregadas daqueles jovens, muitos deles em perdição?
Algum agente administrativo já enviou um psicólogo para conversar com uma pessoa que terá sua casa em que mora há mais de cinqüenta anos desapropriada?
E em nossas calçadas de todo o Brasil certamente há rebaixamento para os cadeirantes e caminhos para pessoas com dificuldades visuais.
Além disso, não tem problemas em a administração pública permitir que famílias invadam terras públicas e se instalem em locais de risco, visto que o interesse público é permitir que elas tenham onde morar, e não suas vidas.
Se algum jovem morrer por causa do crime, uma senhora velhinha morrer de depressão, um paraplégico e um cego morrerem atropelados, e uma família pobre inteira morrer num deslizamento estarão auxiliando a supremacia do interesse público, visto que não se precisará mais gastar com eles em tratamentos, recuperação ou moradia.
E os servidores? Eles não precisão de salários e tratamentos dignos, visto que não são pessoas, são servidores, e porque não, coisas.
Segundo o princípio da supremacia do interesse publico, servidor já tem de prestar um bom serviço, senão é exonerado. Assim, para que um plano de carreira que oportunize autonomia no crescimento profissional e salarial através da qualificação e bom atendimento. Ele não precisa de estímulo.
A administração pública que se pauta somente na supremacia do interesse público não trata os servidores públicos como gente, mas como coisas com as quais se faz o que quiser. Afinal! São apenas “servidores”, para não dizer “escravos”, sem direito a direitos e sentimentos.
Há muitos exemplos desse tratamento desrespeitoso... Ou será que ninguém já ouviu alguma vez que não quiseram receber algum pedido administrativo de servidor sob a alegação sem análise de que “não tem direito”.
Alguém por acaso já viu aqueles planos de carreira em que para se ter progressão é preciso morrer alguém que está no nível superior e ainda fazer concurso com os demais colegas sobreviventes... “Que saúde inconveniente dos meus colegas de trabalho...” dizem os concorrentes.
Tudo isso sem contar com os desrespeitos quando se faz greve. Imaginam que já teve ente público que mandou retirar as folhas de ponto dos locais de trabalho para controlarem quem eles queriam que registrassem o ponto?
E eu que ouvi – numa audiência de um processo em que meu cliente cobrava horas extras trabalhadas e não recebidas – um juiz dizer: “eu não concordo que servidor público tenha direito a horas extras. São servidores. Eu não ganho horas extras se trabalhar até mais tarde! Porque eles tem de ganhar?”
Minha resposta foi até boa: “Vossa Excelência poderia fazer uma consulta no meu escritório para saber dos seus direitos. Quem sabe eu não ganho suas horas extras?”. Contudo, eu ainda queria ter dito: “Vossa Excelência tem direito a sessenta dias de férias ao ano mais vinte dias de recesso no final do ano, fazendo com que essas horas a mais de trabalho em nada se compare com a carga de trabalho dos demais servidores públicos.”. Não disse isso porque eu precisava de uma decisão favorável dele... Pois deveria ter dito, porque ele me deu uma sentença desfavorável, obrigando-me a recorrer.
Noutras causas já ouvi outros Magistrados dizendo em plenos julgamentos: “Esse servidor já tem benefício demais, aposenta mais cedo e recebe gratificação”. Mas se esse magistrado fosse advogado... Veria todas as semanas um servidor enlouquecido por causa do trabalho penoso e perseguido pelos superiores.
Tudo isso porque servidor público não é gente. Ele é coisa diante da supremacia do interesse público.
Mas a administração pública está errada, pois se tratasse as pessoas como pessoas, servidores públicos como gente, compreendendo que são seres carnais e psicológicos e que desempenham muito melhor suas atividades e prerrogativas quando são reconhecidos como tal veria resultados muito melhores.
Alunos das escolas com o acompanhamento correto tornam-se grandes médicos, engenheiros e empresários no futuro, pagamento mais impostos e dando mais lucro para a administração pública.
Pessoas bem tratadas ficam mais satisfeitas e tudo facilitam para a administração pública.
Cegos e aleijados que saem da marginalidade e se tornam pessoas humanas respeitadas e produtoras de riquezas aumentam as divisas dos cofres públicos.
Famílias com moradias dignas ajudariam a preservar o meio ambiente.
Servidores públicos respeitados, compreendidos, com oportunidades de crescimento por si só, trabalham de forma mais eficiente, aumentando a eficácia da administração pública.
Dessa forma, a Supremacia do Interesse Público só funciona quando se respeita a dignidade da pessoa humana.
O País que coloca a dignidade dos seus cidadãos acima da supremacia do interesse público recebe de volta mais compreensão, respeito, eficiência, crescimento, prosperidade, vida e felicidade de toda a nação.
(Publicado em www.sinpolgo.org.br em 21/12/2010)
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ATT.
Juliê - comarca de Minaçu